O outdoor apócrifo da AMAVI e a falta de compromisso com a pessoa autista

Gente do meu tempo, quero aqui expressar minha indignação e o meu repúdio pela conduta adotada pela Associação de Pais e Amigos do Autista de Vilhena/RO (AMAVI).

Ontem (12/05), recebi, por meio de algumas fontes, a informação de que essa entidade mandou colocar outdoors a respeito do tema contendo os seguintes dizeres: “A Covid-19 trará consequências por anos. O AUTISMO – sem tratamento adequado – trará consequências para a vida toda”. Na foto colocada ao lado esquerdo (e num fundo preto), um menino “autista” com uma tarja branca na boca escrita “Eu existo”. Uma forma interessante de se fazer uma mensagem subliminar, não?

O outdoor apócrifo da AMAVI (Foto: Reprodução/Internet)

Pois bem, o problema do outdoor é ele todo, é o conjunto da obra: além de colocar a figura de uma criança autista censurada (e com um adesivo mequetrefe na boca), a mensagem apócrifa tentando, ao mesmo tempo, minimizar (e, de forma sutil, DESQUALIFICAR) os perigos da pandemia de Covid-19, além de, como de costume, tratar o autismo como uma “doença” e fazer o dramalhão escroto de sempre para ganhar visibilidade instantânea e ‘biscoito’ às nossas custas. Nada de novo no front…

Quero aqui fazer um alerta à AMAVI e aos seus dirigentes: O CAPACITISMO de vocês traz mais consequências nocivas do que nossas crises, comportamentos, demandas sensoriais e auto-flagelos se colocados juntos. O outdoor que vocês colocaram nas ruas de Vilhena é um desserviço a todas as irmãs e irmãos de espectro, a toda a comunidade autista e, consequentemente, à comunidade neurodiversa. Me causa espanto vocês usarem do momento difícil que o Brasil vive, não somente com a crise institucional instalada em Brasília, mas também com a disparada no número de óbitos por Covid-19 (cerca de 12,6 mil até aqui), tal qual no número de contaminações (até a publicação deste texto, cerca de 180,6 mil), para fazer o velho alarmismo neuronormativo de sempre, a costumeira e malfadada propaganda enganosa a respeito da nossa condição. Como se isso surtisse, dados os avanços ocorridos nos últimos anos e a coragem de vários autistas em “sair do armário” dizer, por conta própria, que existem e querem respeito.

A total insensatez de vocês me deixa com o ‘pisca-alerta ligado’. Como se atrevem a unir censura e drama no mesmo elemento? Como é possível que em pleno século XXI, ainda insistam numa visão torpe, obsoleta e cadavérica a nosso respeito? Seria falta de informação, oportunismo político-econômico ou DESINTERESSE em nos ouvir?

Se autistas tem problemas para viver, é por causa do modelo de sociedade que nos impuseram. Tudo que foi construído dentro desse modelo parasitário é feito para neurotípicos, por neurotípicos. Para autistas, só migalhas, superexposição indevida, objetificação e desumanização. Um modelo social neuronormativo que não cede espaço para adaptações sensoriais, comunicação alternativa, direitos sexuais e reprodutivos, moradias inclusivas, inserção no mercado de trabalho, independência financeira, entre outros elementos. Cadê que discutem isso? Cadê que nos ouvem (a não ser para o que lhes convém)? A depender de entidades como a AMAVI, que ainda operam sob a lógica do assistencialismo, do dramalhão, da demagogia e do falso moralismo, vamos continuar recebendo migalhas e até morrer à míngua.

Essa é apenas mais uma confirmação daquilo que eu venho denunciando desde 2015/16: o capacitismo é mais que uma simples opressão, é um PROJETO DE PODER, um MEIO DE CONTROLE SOCIAL E MANUTENÇÃO DO STATUS QUO. O capacitismo e a psicofobia, além de serem preconceitos/opressões cotidianamente praticadas mas pouco discutidas, são formas de manter a escória da humanidade no topo e jogar os diferentes ao relento ou até nas tumbas, transformando seres humanos em objetos e, quando não lhes forem mais úteis, em CADÁVERES.

Os autistas precisam REAGIR A TUDO ISSO E MAIS UM POUCO

É mais que urgente que os autistas se organizem institucionalmente, sobretudo para evitar que campanhas esdrúxulas e podres como essa sejam propagadas aos quatro ventos. É urgente a construção de um manifesto orgânico, com as nossas demandas, as nossas propostas e a nossa voz solidificada por nós mesmos. É necessário que, nesse sentido, coloquemos a cara a tapa, enfrentemos esses abutres e deixemos bem nítido o nosso descontentamento com as situações nas quais eles vivem a nos submeter diuturnamente.

Não apenas em cartazes hipócritas como esse, mas também quando somos superprotegidos e (consequentemente) maltratados, quando somos espancados e torturados em manicômios ou mesmo dentro de PENITENCIÁRIAS, quando temos nosso direito de fala NEGADO por parte dessa classe neurotípica desinteressada em transformar o mundo, quando somos usados como objeto e somos desautorizados a falar por nós mesmos. Mais que isso, repito o que sempre disse no início: nossos comportamentos, nossos stims, nossos meios próprios de organização sensorial, nossos hiperfocos, tudo isso é questionado e rotulado como errado. É um projeto de dominação, de perpetuação da hegemonia neuronormativa.

Precisamos reagir, também, ao uso indevido de nossa imagem, como ocorreu recentemente, com um autista não oralizado que foi exposto durante uma crise e completamente NU. A pessoa que fez o vídeo é a mesma que explorava e superexpunha a própria filha, morta recentemente e com suspeita de estar com o Covid-19. Isso tudo na desculpa de fazer conscientização e de tentar defecar regras de como ser autista, uma vez que essa pessoa tem um histórico de negação a lugar de fala que não é de hoje. Quem expõe terceiros ao ridículo não conscientiza, VIOLENTA!

Ou reagimos ou continuaremos a ser jogados, por meio de campanhas estúpidas como essa, à beira do precipício.

Um comentário

  1. […] Gente do meu tempo, como é sabido de muitos, ontem (13), escrevi um artigo sobre o ridículo cartaz colocado pela Associação de Pais e Amigos do Autista de Vilhena (AMAVI/RO) comparando nossa condição à pandemia de Covid-19 (na prática, nos chamando de ‘cadáveres cerebrais’). O link: https://desenhistadasruas.wordpress.com/2020/05/13/o-outdoor-apocrifo-da-amavi-e-a-falta-de-compromi… […]

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